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quarta-feira, 3 de julho de 2019




Moça, me dá uma rosa!
Mário Barreto França

Era um triste contraste aquele, distinguido
Numa encosta escarpada e num vale florido:
Lá no morro, o barraco ao vento se inclinava;
No vale, um palacete, entanto, se enfeitava
De rosas, de jasmins, de pássaros joviais
Que adejavam, cantando, os lindos roseirais...
O barraco de zinco e o bangalô de pedra
- Onde a miséria mora e onde a fartura medra –
Eram naquela parte estreita da paisagem
Antônimos cruéis que, na louca voragem
Da vida singular, excêntrica ou profana,
Confundem na incerteza a indagação humana...
Qual a causa que leva um dia a Onipotência
A dar rumo diverso a cada uma existência,
Que às vezes se coloca em destaque chocante,
Como revolta muda ou protesto gritante?
Por que, sem ter noção ainda do pecado,
Há de nascer alguém surdo, cego, aleijado?
Por que será, meu Deus, que, pobre e sofredor,
Se arrasta, muita vez, quem só pratica o amor?
E o eco repercute, ao longe, os brados meus:
- Para ser manifesta a grandeza de Deus!
No casebre de zinco, um garoto pretinho
Vivia a contemplar das palhas do seu ninho,
Lá embaixo, ao sopé do morro proletário,
O formoso jardim do seu sonho diário
Que, à sua alma infantil de ingênuo espectador,
Representava o céu numa festa de flor.
Numa certa manhã de ensolarado brilho,
O garoto desceu do morro, maltrapilho,
E ficou enlevado, a contemplar, assim,
O viço tropical de tão belo jardim...
Como era tudo ali cromático e festivo!
Porém aquela flor, de rubro muito vivo,
Exercia sobre ele uma fascinação,
Que a mundos irreais sua imaginação
Levava a percorrer em vôos de magia,
Nas asas alvi-azuis de sua fantasia...
E, nesse doce enlevo, angélico semblante
Ele descortinou, olhando-o fascinante,
No veludo-cristal da corola formosa
Daquela rubra flor, daquela linda rosa...
E, a seu ávido olhar, a aparição amada
- Anjo, deusa ou visão de algum conto de fada
Saiu da inspiração de um sonho rosicler,
Para se revelar simplesmente mulher:
Jovem, de olhos azuis e loira cabeleira
- Nova Branca-de-Neve ou Gata Borralheira...
E por isso ensaiou um pedido inocente:
- Moça, me dá uma rosa, uma rosa somente!...
Mas a jovem falou com desprezo invulgar:
- Vá embora daí! Não torne a importunar!
O garoto ficou ainda um pouco parado;
Depois, triste, baixou os olhos, humilhado,
E saiu arrastando os pés, devagarinho,
Pela esteira sem luz do seu pobre caminho.
Como lhe pareceu tão mau o injusto o mundo;
Sufocou na garganta um soluço profundo,
Numa interrogação que ficou sem resposta:
- Por que, por que de mim essa moça não gosta?
Por que ao desgraçado aqui se nega tudo,
Até mesmo uma rosa? ... uma rosa?!...
Contudo
Tão pouco ele queria! E esse pouco, entretanto,
Lhe negavam sem dó, para aumentar-lhe o pranto.
O mundo é sempre assim: esconde a mão ao pobre,
Para fartar na orgia os caprichos do nobre!
No outro dia, bem cedo, às grades do jardim,
O garoto de novo estava a olhá-lo, assim:
Na ânsia de retratar na alma sentimental
O quadro multicor daquele roseiral,
Para poder sentir, dentro da própria vida,
O sonho irrealizado, a glória inatingida...
Quando a jovem surgiu de novo, entre os canteiros,
Seus olhos outra vez brilharam prazenteiros,
E cheio de esperança, à jovem tão formosa,
Com ternura pediu: - Moça, me dá uma rosa!
Agastada, porém, com o pedido insistente,
A jovem lhe negou o esperado presente:
- Vá embora daí, se não eu chamo um guarda!...
Temendo a intervenção enérgica da farda,
O pretinho correu em direção ao morro,
Lançando ao ar parado um grito de socorro,
Que não achou, naquela esplêndida manhã,
Qualquer repercussão na piedade cristã.
O tempo começou a mudar de repente;
Fatídico soprava o vento fortemente.
Tremendo, o órfão entrou no barraco de zinco;
Viu as horas passar: duas, três, quatro, cinco...
E ele, que lá vivia apenas por favor,
Não tinha pai nem mãe, ele não tinha amor.
Deitou-se; adormeceu, sonhou com o paraíso
- Edênico jardim – onde ele viu, iriso,
O sol resplandecer numa rosa vermelha
- Sua rosa vermelha! – e ante ela se ajoelha...
Nisto, estranho rumor, como um forte trovão,
Fê-lo um anjo notar, levando-o pela mão,
Para, de um lindo quadro, erguer o tênue véu:
- Ele entrava no céu... ele entrava no céu!...
Mas, na manhã seguinte, ouviu-se o comentário:
Durante o temporal, no morro proletário,
Houve um desabamento; e o pretinho – coitado! –
Ingênuo sonhador – morrera soterrado.
Sob um sol indeciso, à hora costumeira,
Regava o seu jardim a jovem jardineira.
Por um gesto instintivo, ergueu o olhar às grades:
- Vibrava no éter frio as ondas das saudades –
Não viu, como esperava, o rosto do pretinho:
- Não voltaria mais? Seguira outro caminho?!
E, nessa confusão de um vago sentimento,
Sentiu no coração fundo arrependimento
De não ter satisfeito o anseio do menino.
Foi quando alguém lhe trouxe a notícia:
- O destino
Tinha roubado a vida ao pequenino triste!
Ela não pôde mais; ela não mais resiste,
Prostrando-se a chorar.
E, logo, decidida,
Tirou de seu jardim, não só a flor querida,
Mas todas; e as levou com carinho e cuidado
Pra com elas cobrir o corpo inanimado
Do pretinho infeliz.
E ele, que não tivera
Na existência um lençol, ganhou da primavera
Um manto todo em flor, a evolver-lhe, afinal,
Com carinho e perfume, o corpo angelical.

No contraste da vida infausta ou abastada,
Nós somos muita vez como o órfão e a galã,
Negando do consolo uma rosa encarnada,
Para as faltas de amor chorarmos amanhã...
E ao peso acusador de líricas saudades,
Vamos levar depois às mortas ilusões
Todo o rubro rosal das oportunidades,
Que deixamos passar sem úteis decisões...
Que possamos abrir as grades do egoísmo
E oferecer a quem suplica afeto e paz
A rubra flor da fé do eterno cristianismo,
Que na alma, a rescender, não murcha nunca mais!








E o sino não tocou 
 Mario Barreto França

Cromwell – O Ditador – dominava a Inglaterra.
Ás lutas sempre afeito e acostumado à guerra,
Seu coração possuía a têmpera de um aço
E a dureza da pedra. O pobre ou ricaço
Nivelavam-se ao seu imparcial julgamento.
Havia nele, entanto, um ou outro momento
Em que perdia a calma. Então, era um perigo,
Se houvesse de aplicar a pena de um castigo.

Foi num instante assim, que ele, notando a falta
De um jovem militar, se enfurece e se exalta
E, sem querer ouvir qualquer explicação,
Condena-o incontinenti à extrema punição.

Ninguém o fez o mudar a decisão tomada,
Nem mesmo do soldado a jovem namorada,
Que explica, chora, apela e suplica piedade
Para o seu pobre noivo.  É em vão, que a austeridade
De Cromwell não se abala... Era sua virtude
Jamais voltar atrás de uma firme atitude....

Daquele execução marcou-se o mês e o dia,
Porquanto a hora fatal toda a gente sabia:
Era quando, ao cair da tarde, o velho sino
Da velha catedral. Grave como o destino
Marcava em triste sons de longas badaladas
O ângelus saudoso.

Esperanças fanadas
Começavam a enlutar a alma daquela jovem,
Cujas súplicas e ais os corações comovem;
Porém, que como os seus, em nada lhe valiam,
Que nem um só favor seus rogos conseguiam.
É que os homens da Corte e os juízes, ninguém
Se atrevia enfrentar o Ditador.
Pois bem,
Vendo tudo perdido, a jovem destemida
Tenta um plano final para salvar a vida
Do noivo condenado. Oferece ao sineiro
Tudo o que possuía em joias e dinheiro;
Mas o velho, fiel a sua profissão,
Deu-lhe as costas, dizendo asperamente:
 - Não!
No dia e na hora certa o sina há de planger!
Seja lá para quem for, cumprirei meu dever!

Chega o dia afinal. A tarde declinava.
O pelotão da morte, em forma, se postava
Em frente ao condenado, à espera do sinal
Do sino a badalar, na velha Catedral.

Para todos, ali – testemunhas legais
Da justiça em função – os minutos finais
Pareciam sem fim...
Mas o sinal não vinha.
O próprio Ditador, presente, mal continha
A fúria, por notar que o sino não tocava.

O comando da tropa, a postos, esperava.
E o sino não tocou...
Que acontecera?... Então,
Cromwell, surpreso, exige urgente explicação.

Enquanto isso ocorria, além na Catedral,
Quando o velho sineiro ia dar o sinal,
Puxando a corda ao sino, a jovem que subira
A escada da torre ao badalo se atira,
Agarra-se com ele; e seu corpo franzino.
Abafou todo o som das paredes do sino.

Para lá, para cá, o bronze se movia,
Mas de sua intenção ela não desistia
Disso dependeria a salvação do amado...
Por isso resistiu.

Sem nada ter notado,
Velho e surdo, o sineiro o servidão encerrou,
E, em seguida, em seu quarto humilde penetrou.

Tendo o corpo ferido e as mãos ensanguentadas,
Desceu a jovem noiva as escuras escadas,
E foi, a se arrastar, com grande sacrifício,
Ao lugar usual para qualquer suplício,
E onde, deixou de haver, por sua nobre ação,
Do soldado, a esperada e horrenda execução..

Lá, encontrou, ainda, a escolta, o condenado,
Os juízes à frente e o Ditador ao lado,
Mandando averiguar de tudo aquilo, a causa.

A jovem se aproxima.... Houve silêncio e pausa...
Diante do Ditador se ajoelha, e lhe declara
O motivo por que o sino não tocara.
Mostra o corpo ferido e as pores mãos em sangue.
E em lágrimas suplica, e pede, e apela exangue:
- Perdoai-o, senhor! Prometo que, ao meu lado,
Ele há de obedecer as leis, como soldado,
E, como cidadão, correto há de viver,
Honrando o seu país, cumprindo o seu dever!

Poupai-o desta vez; e, em nome desse amor,
Perdoai-o, senhor! Perdoai-o, senhor!
E o grande Ditador, vencido de emoção,
Aquela jovem noiva, ergueu-a pela mão.
Chama o soldado e diz-lhe: - “Eis teu anjo da guarda”!
E, apontando-os, declara aos seus oficiais:
- E o sino não tocou!... Deixai-os ir em paz!

Assim, no alvorecer edênico do mundo,
O homem, faltoso e mau, foi também condenado
A extrema punição do seu erro profundo,
Na troca desigual do bem pelo Pecado;
Mas, um dia, Jesus fez-se eterno vigário
Entre o homem e Deus, no convênio da paz;
E, por seu grande amor, suplica no Calvário:
- Perdoai-o, Senhor, pois não sabe o que faz!

terça-feira, 2 de julho de 2019


O Beijo da Redenção - Mário Barreto França


Certa vez, na Inglaterra, em lúgubre prisão,

Mrs. Booth exercia a sagrada missão
De pregar o evangelho a todo o condenado.
A todo que sentisse a culpa do pecado.
Levando a cada qual a plácida esperança

De outra vida melhor, firmada na confiança
Num Deus que tudo pode e tudo justifica,
No amor que dá perdão, na fé que santifica.

Mrs. Booth parava em cada cela e, atenta,

Ouvia as queixas mil de cada detenta
E, depois, lhes pregava a mensagem da cruz:
“Eterna salvação no sangue de Jesus!”


De repente, ela ouviu uns gritos de mulher,
Vindos perto dali, de uma cela qualquer.
Correu para o lugar de onde escutara os brados,
E viu, aos empurrões, levada por soldados,
Uma pobre mulher de pálido semblante,
Em cujo olhar faiscava um ódio provocante.
De quem, não tendo nada mais para perder,
Procura, na desgraça, o alívio de morrer!

Os soldados em vão procuravam detê-la:
Cabelo em desalinho, o rosto em sangue,  Ao vê-la,
Mrs. Booth sentiu pela infeliz criatura
Infinita piedade e inaudita ternura.
E, em vez de condená-la, amou-a profundamente.
Porque seu coração estava plenamente
Cheio de paz celeste e bondade cristã.

- Que poderei fazer por essa minha irmã?

(Perguntou a si mesma) E a resposta imediata
Foi aquela vontade ardente que a arrebata,
Num impulso de amor, para depositar
Na face da infeliz um beijo singular.
Fê-lo com rapidez, quando, na confusão,
A pobre era lançada no fundo da prisão.

Sem perceber qual fora a pessoa querida
Que lhe havia osculado a face dolorida,

Deixou de praguejar e, ansiosa, perguntou:
- Quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?

Os soldados, porém, sem prestar atenção
Aos rogos da infeliz, trancaram-lhe na prisão
Dizendo-lhe: - Estás louca! Acaso alguém no mundo
Beijaria este rosto envelhecido e imundo?!

No entanto, a desgraçada outra vez indagou:
- Quem foi que me beijou? Quem foi que me beijou?

Mrs.Booth ficou bastante impressionada;
E, no dia seguinte, na hora acostumada,
Ao presídio voltou.


A velha carcereira

Que houvera presenciado à cena derradeira
Da prisão, disse: – Aquela excêntrica mulher
Parece alucinada, a todo instante quer
Saber quem a beijou, ontem, lá no saguão,
Quando era conduzida às grades da prisão.

Mrs. Booth seguiu e entrou na fria cela.
Vendo-a, a pobre se ergueu e perguntou a ela:
- Ontem, quando a senhora, à tarde aqui chegou,
Por acaso não viu quem foi que me beijou?
Devia ser alguém diferente de todos,
Que só me querem mal, só me lançam apodos...

Sim, alguém diferente, algum bom coração
Que teve de mim profunda compaixão.
Pois ninguém vem a mim para me confortar;
Para me falar de amor ou para me ofertar
Um pouco de ilusão, um nada de esperança...
E, ontem, como no tempo ingênuo de criança,
Não sei, não sei por que, mas alguém me beijou...

Segurando-lhe as mãos, Mrs. Booth falou:
- Explica-me: porque no instante do castigo
Pudeste destacar o simples gesto amigo
De um beijo em tua face?

- Ah! Bondosa senhora,
Desde que minha mãe morreu até agora,
Nunca mais recebi um gesto de carinho,
Nem tampouco um olhar de apoio em meu caminho!
A minha mãe morreu quando eu tinha sete anos;
Era pobre demais, cheia de desenganos.
E numa noite fria, em meio ao sofrimento,
Vendo se aproximar o seu último momento,
Chamou-me junto a si, deu-me muitos conselhos,
Dizendo-me, a chorar: “Minha filha indefesa,
Quem cuidará de ti no mundo de incerteza?
Ah! Minha pobre filha! Ah! Minha pobre filha!
Que Deus cuide de ti, te livre da armadilha
Satânica do mal.” E, depois, me abraçou;
Deu-me um beijo profundo, inclinou-se... e expirou.

Daquele dia em diante, apenas a desdita
É que tenho encontrado em minha vida aflita.
Jogada ao desamparo, enferma e decaída,
Ao mundo me entreguei em paga da comida.
E o mundo me despreza, o mundo me condena,
Mas nunca alivia o mal que me envenena.
Sou nódoa que envergonha essa sociedade,
Que jamais perdoou minha felicidade;
Pois em todo o lugar tenho sido humilhada,
Recolhida à prisão, perseguida, espancada;
Mas ninguém quer saber porque é que eu vivo assim,
Ninguém quer me ajudar, ninguém cuida de mim!

Mrs. Booth se ergueu, e, abraçando-a, falou:
- Minha filha, fui eu quem te beijou!
Fi-lo porque te amei, e te amei porque Cristo
Naquela hora induziu Minh ‘alma a fazer isso,
Para te revelar que seu amor profundo
Jamais fez distinção de pessoas no mundo.
Por Ele o teu pecado há de tornar-se leve
E tua alma, tão pura e branca como a neve.
Minha filha, este mundo é assim mesmo, inconstante
No modo de julgar: é sempre intolerante
Às faltas do pequeno; no entanto, é generoso
Ao erro mais atroz e vil do poderoso.
É sempre desigual na recompensa à plebe,
Pois o que mais trabalha é o que menos recebe.
Discordar dos mandões é converter-se em réu.
Minha filha, somente a justiça do céu
Não nos faz restrições! Só o amor nos redime
Da prática do mal, da execução do crime!
Verdadeiro? Só Deus. Amigo? Só Jesus,
Legando a todos nós o Novo Testamento,
Que nos garante o céu pelo arrependimento.

Ardente de emoção, sorrindo comovida,
Falou à Mrs. Booth a pobre decaída:
- Ah! Minha boa amiga, agora eu creio em Deus.
Creio que Ele perdoou todos os erros meus!

Já não sou infeliz nem desejo vingança,
Pois sinto dentro em mim uma nova esperança:
- Doce paz que me dá paciência em suportar
O castigo que a Lei resolva me aplicar.

Venha sempre me ver, beije-me sempre, a fim
De que eu possa sentir que alguém cuida de mim,
Alguém que me recorde o doce amor materno,
Alguém que fale em Deus e em seu coração eterno!

E quando, novamente, a pobre decaída
No fundo da prisão sozinha se encontrou,
Ergueu o olhar aos céus e disse, agradecida:
- “Foi Deus quem me beijou! Foi Deus quem me beijou!”